quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Uma só para ele

Era sua primeira vez em um estádio de futebol. Incomodada que estava, ou melhor, desconfiada do marido que, todo santo domingo, saía logo após o almoço e alguns telefonemas, junto com os amigos, para voltar somente à noite fedendo cerveja e suor, às vezes feliz de dar cambalhotas, outras irascível como um doberman acorrentado.
Um belo domingo, serviu um almoço como poucos em tantos anos de casados, e sobremesa, e cerveja gelada, olhando vez por outra para aferir a satisfação do companheiro. Ao final, antes que este iniciasse seu ritual, sentenciou:
- Hoje quero ir ao estádio contigo!
O marido, como esperado, congelou. Estacou tão completamente, que a dita achou mesmo que este tivesse sofrido um mal-súbito, um AVC ou sei lá. E lá estava ele, mesmo depois de alguns minutos, a fitá-la como se olhasse através dela, para algum ponto impossível do infinito.
Pudera, toda mulher no estádio é pé-frio, pelo menos em sua primeira vez. Mas, deixem explicar-me melhor, antes que transpassem minha alma com suas ironias e talentos literários invejáveis: não é toda mulher, qualquer mulher. É a sua mulher, a mulher do marido, entendem? Pode ser a namorada, ou a ficante, a peguete das quarta-feiras chuvosas, aquela... E, antes que fique pior, se é que poderia, pode ser também, no caso da torcedora, o marido, o namorado, até o Ricardão. Ali, não! Não é lugar para ela/ele.

Mas voltemos ao nosso amigo torcedor e sua esposa. Ele ali, terrivelmente congelado, e ela esperando a reação, irredutível – ele o sabia muito bem! - em sua pretensão, hoje ela iria ao estádio, assistir a uma partida de futebol. “Mas, logo hoje? Por quê?”.

Era semi-final, justamente contra o rival azul da cidade, e o time vinha de uma recuperação memorável, após um início vacilante, flertando com a zona do rebaixamento, o time recuperou-se, encontrou o caminho e enfileirou onze jogos sem perder, classificou-se em primeiro, mandou o azarão para fora nas oitavas, goleou nas quartas, e... logo agora, que estava a um jogo de humilhar o rival... ela quer ir no jogo? Melhor: ela vai ao jogo!

Ele conhecia aquela determinação inamovível desde que estavam prestes a completar um ano de namoro. Ela esperou, esperou, rodeou, deu indiretas, inventou jantares e almoços entre as famílias, e o cara, nada! Pois bem, marcou um almoço de domingo, bem na véspera de completarem um ano, mandou-o convidar os pais, e assim foi feito.

Chegando à casa da moçoila, ela recebe-os no portão, com um sorriso indecifrável no rosto, ao mesmo tempo largo e matreiro, e, após os cumprimentos de praxe, convidá-os a entrar. Os pais do namorado vão na frente, ela enlaça-o pelo braço e enfia uma caixinha no bolso. Surpreso, olha para ela, que mantém o mesmo sorriso matreiro e – agora sabe! - o mesmo olhar deste dia de jogo. Nem preciso perguntar, sabia o que havia dentro daquela caixinha de pelúcia preta e o que deveria fazer antes do almoço. O fruto derradeiro deste almoço está ali, ao lado, sentado no cadeirão tentando balbuciar suas primeiras palavras, sem entender o que se passa.

Pois bem, passado estes instantes de hesitação, agora já consciente que nada haveria de fazer, eis que levou-a ao estádio, mas desta vez sem os telefonemas para os amigos. Isto seria demais! Enquanto arrumava-se para sair, gritou várias vezes para o marido, todas sem resposta:
- Meu bem, não vai atender?

O jogo transcorria, como era de se esperar, disputado, truncado, até sangrento em alguns momentos. Sem entender nada do que acontecia, espiava a aflição do marido que roía unhas e grunhia ao mesmo tempo. Em um dos lances mais ríspidos, perto do final do primeiro tempo, uma entrada mais dura do zagueirão e o atacante voa, dando uma pirueta improvável, rodopia no ar e cai de costas. O estádio vem abaixo, em vaias, gritos e xingamentos. O tempo fecha, os médicos entram em campo juntamente com a turma do deixa-disso. Alheia à gravidade do momento, vê neste breve interregno a chance de fazer a pergunta inevitável:

- Meu bem, por quê não dão logo uma bola para cada time?

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Lembro-me desta estória toda vez que vejo, no campo, o atacante colorado Adriano. Este rapaz deve ter algum trauma de infância, é bem provável. Não entrega a bola nem que Deus baixasse no gramado e o ameaçasse com o eterno fogo infernal. Nem que sua alma ardesse entre os apenados para todo o sempre, este entregaria a bola. Fosse um Mirandinha, os sãopaulinos mais antigos haverão de lembrar-se, ou um Ronaldo Nazário, para os mais jovens, até entenderia. Ou, pelo menos, tentaria.

Mas o rapaz é ruim de bola. Ruim, não. Simplesmente não tem a aptidão física ou técnica necessária para pegá-la, lá atrás, e sair enfileirando os adversários. Invariavelmente, pega e fica com ela até perdê-la, sem sequer procurar um companheiro melhor colocado.

Alguém, no Beira-rio, já deveria ter tido a idéia de levar, escondida entre os uniformes, uma bola reserva. Assim, quando o treinador chamasse Adriano para o jogo e este estiver ali, na beira da grama prestes a entrar, este alguém sussurraria seu nome, jogaria a bola reserva em sua direção, com a necessária e expressa ordem:

- Tome, esta é só sua!

terça-feira, 1 de julho de 2008

Volta para casa, Inter!

O Inter é, hoje, vítima de seu próprio sucesso. Sim, parecemos aquelas pessoinhas do interior que, alçadas rápida e inesperadamente ao estrelato, perdem-se no meio do caminho e em pouco tempo caem no esquecimento, sem que ninguém se dê conta. Quantos destes não vimos nas últimas décadas, um sucesso tão estonteante quanto fugaz, na música, no cinema, na televisão e, por quê não, no esporte?
Isto acontece por diversos motivos, mas o caso Colorado parece ser daqueles que esqueceram-se de suas origens, seus valores e, principalmente, dos diferenciais que ajudaram-no a alcançar o topo. Envaidecido, perdeu-se no caminho, esqueceu-se quem é e porquê está aqui, parece aquele mineirinho da piada, que cai do caminhão e sai repetindo "concossô, oncotô, proncovô?". Realmente, o sucesso é difícil de administrar em uma pessoa, imagine em uma instituição multifacetada e complexa como nosso amado Sport Club Internacional, onde a dimensão do estrago pode e deve ser medida tanto em extensão quanto em profundidade.
Com efeito, a solução parece uma só: retornar às origens, refazer o caminho de casa, largar todo glamour mundano do showbis e voltar para a casinha lá na província, onde tudo começou, sem nada, absolutamente nada. Neste caminho de volta, deve levar embaixo do braço somente aquela velha malinha gasta, surrada e encardida, onde cabiam somente o terninho curto e poído, herdado do pai, uma troca de roupa, escova e pasta de dentes, o sabonete Gessy Lever envolto em um pequeno pedaço de papel higiênico, o pente plástico de R$ 0,30 e a vontade enorme de fazer História neste mundão de Deus.
É preciso voltar para casa sem os adereços conquistados com o sucesso, para valorizar novamente as coisas simples e lembrar-se que elas são, de fato, as únicas que realmente importam nesta vida. O aconchego do lar, o sorriso sincero daqueles que nos amam, o cheirinho inconfundível da comida da mamãe, do café da tarde fervendo no bule, as longas conversas preguiçosas junto de nossos entes mais queridos. É aqui que reencontrará a si próprio, que também perdeu-se nesta escalada ao topo, e então poderá novamente recomeçar sua luta com força renovada. Mas alguma coisa terá que ficar pelo caminho.
Primeiramente, é preciso recuperar seu símbolo maior, o escudo redondo de fundo vermelho, com suas três letras iniciais entrelaçadas em branco, sua marca indelével e reconhecida mundialmente. Jogue fora imediatamente esta coroa ridícula e sem sentido! Ou melhor, devolva-a a quem obrigou-o a usá-la, para que ostente-a em sua própria cabeça, a cabeça que tem carrega idéias equivocadas a respeito do que é o Sport Club Internacional. Esta é a cabeça que merece ostentar este adereço patético, incompatível com o Clube do Povo e sua História. Cabeça de uma pessoa que deveria também carregar uma melancia no pescoço, talvez até aquela melancia que, na roça, os moços "mais precisados" deixam esquentando no sol, fazem um buraco e mandam ver. Sim, carregue a coroa na cabeça e esta melancia usada no pescoço quem é digno delas!
E as festas, ah as festas!, repletas de gente afetada, desinteressante mas interessada, flashes, música eletrônica ou lounge, em ambientes requintados, acompanhadas por estes repórteres que perseguem celebridades, como é mesmo o nome dado a eles? Paparazzi! Isto mesmo, paparazzi, nome italiano, chique, não? Quanta gente, Inter, já não lhe deu tapinhas nas costas, abraçou-o e fez pose para ter a foto publicada nos mais populares veículos de comunicação? Tudo falso, imprestável, descartável! Por onde anda esta gente toda, agora que seu sucesso está abalado pelos descaminhos pelos quais enveredou? Já leu, por acaso, Drumond? Há um poema bastante oportuno, "E agora, José?". A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, José? E agora, você, Inter?
Agora que estamos aqui para isto! A velha e apaixonada torcida está no mesmo lugar em que sempre esteve, pintada de vermelho, à sua espera, cândida e angustiadamente. Nas ruas e praças de Porto Alegre e do Mundo, nos botecos esfumaçados, nas igrejas pagando promessas e pecados, na esquina do Santiago Bernabeu gritando "Dá-lhe,Inter!" ao ver uma moça vestindo o Manto, nas arquibancadas de qualquer estádio onde uma bola esteja rolando, em qualquer lugar onde bata um coração vermelho, doente de tão Colorado. Um coração que bate feliz, não por seu Inter ganhar ou perder, mas por ver todos seus ídolos disputarem uma partida como se fosse a última de suas vidas, por atirar-se à bola como um faminto atira-se a um prato de comida, se o finado Nelson Rodrigues me permite usar uma de suas imagens geniais.
Mas sua velha e apaixonada torcida estará, fundamentalmente, naquele lugar onde você poderá cair roto, cego e delirante, enlouquecido pela ascenção e queda, que será imediatamente reconhecido, recolhido, acalentado e amado. Estaremos aqui, sempre à sua espera, na sua casa, o Gigante da Beira-rio, entoando cânticos de guerra e amor ao nosso clube do coração, arquibancada lotada, rugindo e mostrando os dentes aos visitantes atônitos, levando-o de volta à senda de vitórias.
Sim, porque nunca se esqueça, Inter, que você pode correr o mundo, ir a Tókio, Dubai, Paris, Noviorque ou Buenos Aires, mas o seu verdadeiro lar estará eternamente fincado à margem do Guaíba, onde chegam os últimos raios de luz das tardes ensolaradas de Porto Alegre. É aqui que você poderá olhar-se no espelho, reconhecer-se e retomar o caminho que nunca deveria ter deixado de trilhar, mas sem perder-se novamente nos descaminhos da glória e da fama, permanecendo para sempre como o Clube do Povo."

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Homenagem a Mário Lins Peixoto Filho

Hoje faz uma semana que morreu um dos meus melhores e mais antigos amigos... escrevi esta poesia, uma das mais tristes que já cometi... nem título tem ou terá.

Noite espessa, escuridão profunda
Ao fundo, lamúria e gemido
Enfim, uma luz se acende
Como uma nau em mar revolto
Balança, balança, balança
E balança novamente
Mas a luz trêmula e amarelada
Continua acesa
Reafirmando
Que a vida segue
Apesar dos pesares.

Até logo, Fernandão

Ele não entortou o Puyol,
Ele não deu o golpe de misericórdia no goleirão do Barça com a chapa do pé,
Ele não levantou-se com o nariz esguichando sangue dizendo "Eu fico até a última gota!",
Nem atirou-se aos pés do atacante do Barça aos 47' do 2°...

...mas ele comandou a Nação Colorada às maiores glórias de sua centenária História, empunhou o microfone no Beira-rio lotado, na volta do Japão, gritando junto com todos o "Vamo Vamo Inter".

É nosso Capítão Planeta, nosso eterno Capitão, que fica tatuado em nossos Corações Colorados e no imaginário dos que não o viram atuar com o Manto Sagrado.

Ele é Fernandão, ou F9, ou o nome que quiserem lhe dar. Não há um Colorado no universo que não lhe seja eternamente grato, nem o mais empedernido corneta da Social ou do sofázão-e-pipoca.

Sai na hora certa, como Eterno Ídolo que sempre será. A hora certa para preservar a imagem perante a torcida, deixando um leve gostinho de "quero mais" em todos. Não perdeu o passo como outros companheiros de conquistas, sai por cima, do alto, onde sempre esteve e estará.

Toda despedida é triste e dolorida, esta não seria diferente. Um dia voltará para os braços da torcida que o amou e que ama, nós sabemos.

Até logo, Eterno Capitão.

segunda-feira, 12 de maio de 2008